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1 de novembro de 2019

Crônica: Encontro com a Morte

Imagem: Google Imagens

No dia 28 de julho de 2012, ela se foi. Ela? Sim. Aquela que estava ao meu lado. Mas, dessa vez, não voltará. Quando a gente chega ao fim, eu não sei se existe um recomeço. O problema dela ir consiste no fato de que uma parte dentro do peito fica. Talvez morte ainda seja um termo muito amplo para um ser humano que, como diria Sócrates, busca a imortalidade.
Incrédulo sobre o ocorrido, dirigi-me ao velório consolado pela oportunidade de poder me despedir uma última vez. Chego ao local e todos rodeiam o caixão. Vejo lágrimas e as minhas também começam a escorrer. Está certo, não sei lidar com falecimentos, principalmente o dela. 
Ela, deitada, aparentava descansar. Mas, ao aproximar-me, percebo que não a encontro mais ali. Agora minha amada se trata de apenas um corpo. Não existe mais aquele riso e nem os olhos fadigados de tanto insistir na mesma luta: a pela vida.
Meus amigos mais próximos buscam me trazer consolo com frases típicas, as quais eles têm a confiança de serem as melhores a se utilizar no momento. “Meus sentimentos”, “Ela descansou”, “Nós somos egoístas de querermos que o outro fique aqui sofrendo”. Não discordo, entretanto as palavras apenas pairam sobre minha mente. É como se uma das peças do meu quebra-cabeça sumisse e, para evitar maiores transtornos, eu apenas aceitasse que está tudo bem em ser incompleto. E talvez esteja mesmo, posso ser a melhor versão de mim em um futuro distante.
Volto a minha casa, tento aceitar os fatos e dormir, afinal, desviar-se da realidade por algumas horas sempre funciona. Na verdade, funcionava. Vejo-a em tudo e em todos procurando preencher o vazio aberto em meio peito. 
Nos meus sonhos, ainda tenho uma companheira. Deixo a noite passar, meus pensamentos vão de um lado para o outro, sempre em círculos, um ciclo vicioso de dor, um labirinto de sofrimento. As estrelas brilham no céu e a lua está desaparecendo aos poucos na imensidão. Quando eu era criança, disseram-me que quando morremos viramos mais um desses corpos luminosos, o novo para mim é o fato do espaço não se tratar de galáxias, universos… e sim, de pessoas. Como diria a rosa do Pequeno Príncipe, somos responsáveis por aquilo que cativamos.
Algumas horas depois, o sol dá seus primeiros indícios de um novo dia. Faço um café, o enterro será daqui 50 minutos. Coloco a roupa do nosso primeiro encontro para usar no último. Penteio o cabelo e dou-me conta de que já sou um homem de meia idade. Tranco as portas de casa e entro no carro, direto para o cemitério agora. Ao chegar, vejo flores em tudo e penso que elas são uma das maiores sátiras do homem, deixar de presenteá-las aos vivos para dar aos mortos.
O corpo está sendo trazido pelos agentes da funerária, peço para fazerem o trabalho da forma mais breve possível. Não entendo o porquê desse sono tão profundo, amada. Eles abrem a cova, as lágrimas escorrem novamente por minha pele, o caixão é fechado e colocado em seu devido lugar, agora o amor cumprirá o ciclo da vida, corroído por traças. Os homens já começam a trabalhar para finalizar o processo.
Tudo já estava terminado por volta do meio-dia. Penso em voltar para casa e almoçar, mas não encontro vontade no meu ser o suficiente de modo a concretizar tal ato. Necessito recomeçar. Às vezes, nossas relações não são feitas para durar e sim, para existir.
Talvez eu beba um café de novo.

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